Tem uma conversa boa que eu tenho com o Gil a respeito do hábito de escrever cartas. Há práticas que atentam para uma outra relação com o tempo mais distentida e suspensa - permitindo um respiro propício para os sentimentos e pensares ganharem maturidade e corpo. Um desses hábitos, com certeza, se traduz no punho vivo e entregue ao ato daquele que com a sua própria grafia, talvez propensa a toda uma série de garranchos e vacilações, se propõe a enviar uma carta para seu destinatário.
Lembro perfeitamente de minha avó Lourdes escrevendo e comentando a respeito das cartas que ela seguidamente mandava para uma amiga sua de infância, chamada Amabilia, que morava no Rio. Muitas vezes eu era a pessoa que fazia o agradável e honroso trabalho de comprar os selos e envelopes, além de colocar a carta dentro da caixa de correio. Isto com certeza ocorreu entre meus oito e onze anos. Minha sensação frente a passagem do tempo e o modo como eu previa a comunicação entre as pessoas era profundamente marcada pela doce e nostálgica emotividade de minha avó. É claro que meu avô Salvador também contribuía para este modo de criar expectativas diante do mundo que se me abria. Mais quieto e ativo, em sua fortaleza tranquila de um envelhecimento vagaroso típico de quem tem o dom da longevidade, dava-me a segurança necessária pra enxergar a vida como um longo trajeto mais condizente com a constância do que com a precipitação.
Pois as cartas me remetem pra esse espaço dos encontros mais duradouros (ainda que à certa distância) e menos exigentes que também me fazem lembrar de meu irmão, Antônio Augusto. Gosto de ouvi-lo dizer que não se sente preocupado em responder um e-mail com imediatez. Cada diálogo, diz ele, ainda que envolto pela infosfera visceral, acolhe seu tempo de resposta. E nesta maneira de pensar, vejo que a carta escrita à mão ainda dá o ritmo ao mundo novo e virtual.
Lanço essas palavras memoriosas pra dizer que quero escrever mais cartas daqui em diante. Quero abrir outros canais de troca com os amigos próximos e distantes. Cartas, também, pra nem mandar. Que sejam pra ouvir melhor a si e seduzir o efêmero no tempo.