quinta-feira, 5 de novembro de 2009

a intenção da carta

Tem uma conversa boa que eu tenho com o Gil a respeito do hábito de escrever cartas. Há práticas que atentam para uma outra relação com o tempo mais distentida e suspensa - permitindo um respiro propício para os sentimentos e pensares ganharem maturidade e corpo. Um desses hábitos, com certeza, se traduz no punho vivo e entregue ao ato daquele que com a sua própria grafia, talvez propensa a toda uma série de garranchos e vacilações, se propõe a enviar uma carta para seu destinatário.
Lembro perfeitamente de minha avó Lourdes escrevendo e comentando a respeito das cartas que ela seguidamente mandava para uma amiga sua de infância, chamada Amabilia, que morava no Rio. Muitas vezes eu era a pessoa que fazia o agradável e honroso trabalho de comprar os selos e envelopes, além de colocar a carta dentro da caixa de correio. Isto com certeza ocorreu entre meus oito e onze anos. Minha sensação frente a passagem do tempo e o modo como eu previa a comunicação entre as pessoas era profundamente marcada pela doce e nostálgica emotividade de minha avó. É claro que meu avô Salvador também contribuía para este modo de criar expectativas diante do mundo que se me abria. Mais quieto e ativo, em sua fortaleza tranquila de um envelhecimento vagaroso típico de quem tem o dom da longevidade, dava-me a segurança necessária pra enxergar a vida como um longo trajeto mais condizente com a constância do que com a precipitação.
Pois as cartas me remetem pra esse espaço dos encontros mais duradouros (ainda que à certa distância) e menos exigentes que também me fazem lembrar de meu irmão, Antônio Augusto. Gosto de ouvi-lo dizer que não se sente preocupado em responder um e-mail com imediatez. Cada diálogo, diz ele, ainda que envolto pela infosfera visceral, acolhe seu tempo de resposta. E nesta maneira de pensar, vejo que a carta escrita à mão ainda dá o ritmo ao mundo novo e virtual.
Lanço essas palavras memoriosas pra dizer que quero escrever mais cartas daqui em diante. Quero abrir outros canais de troca com os amigos próximos e distantes. Cartas, também, pra nem mandar. Que sejam pra ouvir melhor a si e seduzir o efêmero no tempo.

5 comentários:

  1. começo a escrever a tua carta! a primeira de uma penca...

    ResponderExcluir
  2. luís, tua escrita (como já falei) tá muito fluente! tá um prazer cada vez maior em chegar por aqui neste espaço de convivência!

    ResponderExcluir
  3. Fico muito contente com as tuas palavras. Vamos seguir fazendo...

    ResponderExcluir
  4. Querido Luis,

    A cada dia percebo mais como o tempo é uma dimensão pessoal e (para mim) a tua melhor dimensão. Como você é capaz de senti-lo e invertê-lo e submetê-lo e submeter-se a ele. Tua postagem do guarda-chuva, agora tua postagem da carta e do tempo, são para mim, expressão forte e intensa do Luis com seu tempo.

    Te lendo pensei que a maior parte das cartas que escrevi eu não enviei. Que até hoje elas foram mais exercício de minha autocompreensão do que de comunicação. Ando muito a fim de subverter essa ordem.

    Um beijo e logo um copo e uma carta que hão de chegar aí.

    C.

    ResponderExcluir