sábado, 12 de dezembro de 2009

navio cortando o gelo


Vi ontem à noite o documentário sobre o Caetano Veloso chamado "Coração Vagabundo". Sinceramente, não me chamou nem um pouco a atenção - além de achá-lo extremamente previsível. Acho que está inserido nesse mesmo esquema de glamorização de artista brasileiro tão-somente a partir do exterior. Todos os olhares, que durante o filme julgam muito elogiosamente a obra de Caetano (Almodóvar, Antonioni, David Byrne etc. ), são estrangeiros. Nada contra o olhar de fora. Mesmo que essa tendência acabe sendo determinante na grande maioria dos documentários musicais brasileiros que eu venho assistindo nos últimos tempos...

Contra todos os possíveis pesares, vale pelos falas do próprio Caetano belamente filmadas através das ruas de cidades japonesas como Tóquio e Osaka. Caetano merece ser visto por mais deslumbradão e fraco o filme dentro do qual ele apareça.

De qualquer modo, gostei muito do comentário de seu filho, Moreno, a respeito de um show que eles fizeram numa dessas casas de espetáculo metidas a besta de São Paulo. Moreno falou que o público era meio difícil de lidar. Fosse pelo fato de se sentirem donos do momento, por terem pago horrores no ingresso, ou, em função do mesmo contexto elitista, por se sentirem oprimidos. Moreno, entretano, segue adiante. Diz que tudo aquilo não chega na banda pois seu pai é como um navio de quebrar gelo!

Em épocas frias e esnobes como a nossa, navios de cortar gelo são sempre bem-vindos!

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

o desbunde das épocas

Adoro a palavra desbunde por tudo o que ela possui de desvio diante das experiências unicamente atreladas à toda burra repetitividade ou à repressão. O Gil escolheu esta palavra ao lembrar da Rita Lee no início dos anos 80. Melhor uso possível de um termo que hoje em dia talvez tenha perdido muito de sua irreverência, lucidez e até possibilidade de aplicação. Tem alguém desbundado por aí?

Noutros tempos, o simples ato de desbundar já refletia ares de atitude estética e política. Não vejo, pois, o desbunde como estado aparentado da alienação. Ao contrário. Até onde alcanço, esses dois termos são os dois polos opostos de uma mesma antítese.
Ora, a turma odara, por ser desbundada nos anos 70, gostando-se dela ou não, possuía muito da verdade de seu tempo. Os hippies nos anos 60 e começo dos 70 também. O mesmo se poderia dizer de outras situações em que o próprio absurdo da história teria produzido sua contradição em tom de chiste e devaneio.
As gerações do entre-guerras no hemisfério norte, por exemplo, conheceram a loucura criativa junto com a ascensão do rádio e do jazz. Nossas ditaduras latino-americanas também tiveram a contrapartida de tamanha estupidez no florescimento de um amplo e variado espectro de talentos humanos capazes de afrontar com inteligência o descalabro institucionalizado.
Desbunde, portanto, demanda um mínimo de coragem.