quarta-feira, 7 de julho de 2010

proposta de debate

Escrevi o texto abaixo como uma primeira tentativa de me articular perante o delicadíssimo problema do ensino crítico nos cursos de direito dos tempos correntes. O tom mais genérico e pouco exemplificativo da escrita se faz aqui proposital. O objetivo é desdobrar as ideias e abrir o canal de diálogo sobre o tema:  

PENSAMENTO CRÍTICO E ENSINO JURÍDICO CONTEMPORÂNEO




Até não muito tempo atrás, o curso de direito se distinguia como símbolo pedagógico propulsor de um projeto civilizatório do qual o poder estatal vem haurindo a sua legitimidade, pelo menos, desde a época das revoluções burguesas.

Ora, independentemente das diversas manipulações ideológicas a que tal concepção geral se presta, era clara e – apesar dos pesares – palpável a ideia de uma cultura cívica propalada em meio ao ambiente das salas, corredores e bares das academias jurídicas.

Como se nesses microcosmos acadêmicos fosse perceptível, ressalvados todos os senões de conservadorismo bacharelesco, de alpinismo social e da qualidade sempre duvidosa dos saberes reproduzidos, uma disposição – ainda que subordinada ao encantamento ilusionista das vestes e dos ritos – para o tratamento de questões normativas básicas da vida em sociedade. O porquê das leis não era então algo indiferente, inútil ou inacessível.

Isto, diga-se, dentro de um contexto anterior à massificação voraz da oferta de ensino superior privado, e da racionalidade gerencial cada vez mais privatista das faculdades públicas. Sem ter a mínima pretensão de oferecer uma visão nostálgica e arcaizante do ensino jurídico, e tampouco desejar desferir argumentos reacionários contra a democratização do acesso ao conhecimento jurídico, é importante que se atente para alguns elementos em jogo no modo como se constitui o ensino do direito nos dias correntes. Como professor de disciplinas sociais e humanas do direito, sinto com ainda mais força este refluxo e asfixia não só do pensamento crítico jurídico – saliente-se –, como também de toda proposta de problematização da realidade social esperada de qualquer prática educativa formal.

Sendo assim, a instrumentalização progressiva dos programas de ensino jurídico e a dificuldade de se propor a inclusão proveitosa de disciplinas de cunho humanístico e problematizador revela uma concepção de curso, aluno, coordenação e professor submetidas à mera lógica da sobrevivência imediata frente às forças instáveis do mercado de trabalho. Neste cenário de temores constantes e expectativas pré-fabricadas, a aprovação no concurso da hora e o prêmio sonhado da mega-sena flutuam à deriva no mesmo mar das incertezas contemporâneas.

Essa mesma lógica da premência mercadista que acomete todas as instâncias de vida social circunscritas ao hipercapitalismo globalizado e corporativo tem descaracterizado o ambiente educativo de forma brutal. Assim, não é difícil constatar que as urgentes exigências de competitividade mercadológica e de otimização dos lucros vêm impedindo de forma insidiosa que condições básicas da atividade acadêmica possam se instaurar.

Com efeito, ao invés de se buscar a volta a um passado igualmente saturado de suas próprias perversões, cabe, isto sim, reivindicar a defesa das características essenciais do processo pedagógico sem as quais a educação se torna um embuste danoso.

Por conseguinte, a simples previsão de disciplinas críticas nos currículos de graduação do direito não tem muitas chances de prosperar diante do tecnicismo vulgar que atravessa a grande maioria das mentalidades envolvidas na sua realização. As aulas, nesses ambientes, amiúde se transformam em verdadeiro martírio para professores e alunos, na medida em que tais contextos não há condições estruturais mínimas para um desenvolvimento aceitável do conteúdo a ser lecionado.

O vezo hipócrita e marqueteiro das instituições responsáveis pela organização do ensino superior, hoje em dia, no Brasil, exige uma tomada de posição menos acomodada e subserviente por parte da comunidade de professores, alunos e demais afetados. Sem uma mobilização crítica prévia e constante a este modelo de ensino vigente, que possibilite reoxigenar os canais de diálogo do espaço acadêmico, caberá às disciplinas humanísticas do direito seguir dois caminhos pouco auspiciosos para fins concretos de melhoria do ensino e, por conseqüência, social: o quixotismo infecundo ou o arremedo de si mesmo.


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